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A história das descobertas sobre o Universo tem sido uma humilhação atrás da outra para a humanidade. Um resumo: há 2 mil anos, imaginava-se que éramos o ápice da criação e nosso planeta, o centro do mundo. Mas a Terra acabou se revelando um dos muitos súditos do Sol, e o Homo sapiens, um neto recente na genealogia dos macacos. Até o Sol, que foi um símbolo da divindade em outros tempos, não passa de um grão de poeira brilhante entre incontáveis estrelas. O orgulho humano, naturalmente, ficou reduzido a praticamente nada.
Mas eu disse nada? Não foi por acaso. É que não chegamos ainda ao fundo do poço – e o fundo do poço é justamente o nada. Nadinha de nada. Elimine todo tipo de matéria ou de radiação, até os gases mais rarefeitos e as menores partículas atômicas. Agora estenda a limpeza aos quatro cantos do espaço. Você criou um Universo vazio. Claro que isso é um absurdo – algo como uma laranja sem gomos nem casca.
Mas vale a pena insistir nessa experiência imaginária porque os cientistas que estudam o Universo fizeram algo parecido com ela. O que descobriram é, ao mesmo tempo, muito difícil de acreditar e praticamente impossível de contestar. Especialistas de várias universidades americanas, com base em imagens da radiação de fundo do Universo – o brilho que sobrou do Big Bang –, chegaram à conclusão de que, se você tirar tudo o que é possível do cosmo, toda matéria, todos os micróbios, as rochas, animais, galáxias, átomos, luz, ele ainda continua pesando três quartos do que pesava antes. Para ser preciso, restam 73% da massa original.
Nenhuma pessoa sensata aceitaria a sugestão de que essa é a massa do nada. Só que os físicos, cosmologistas e astrônomos não são pagos para terem bom senso – sua obrigação é investigar o cosmo com todo rigor e descobrir do que ele é realmente feito, por mais estranho que possa parecer. Eles estão, há muito tempo, convencidos de que, mesmo num lugar vazio, existe alguma coisa (veja na próxima página uma breve história do conceito do nada). Mas nem essa gente tão acostumada a surpresas esperava que essa alguma coisa fosse a maior coisa que existe, a ponto de carregar, sozinha, três quartos da massa do Universo. O Universo é quase todo nada (veja no quadro da página 72 a medida do quanto ele é vazio).
Esse paradoxo é o mais impressionante e assustador de todos os pesadelos para o velho e cada vez mais distante sonho da humanidade – o de decifrar os segredos do cosmo. As descobertas são mais um golpe duro no nosso orgulho. Até porque, mesmo entre aqueles 27% que sobram quando excluímos o nada, 23% são, na verdade, um tipo bem estranho de matéria: a matéria escura, que contém esquisitices como os buracos negros, sobre a qual sabemos bem pouco. Nós – as coisas feitas de átomos, como pessoas, planetas, estrelas e galáxias – não passamos de 4% do total. Essa é a verdadeira medida da nossa insignificância cósmica.
O mais chocante é descobrir, a essa altura dos acontecimentos, que somos grãos de poeira suspensos entre o nada. Não é muito fácil explicar o que isso significa. A saída é imaginar que o nada está embutido dentro do próprio espaço. Cada grama de matéria está permeado por uma imensidão invisível de nada. Esta revista, nas suas mãos, contém toneladas de nada. E você, leitor – não leve a mal –, está cheio de nada. Pense em uma malha muito fina escondida debaixo de cada trilionésimo de milímetro do cosmo e que atravessa tudo, inclusive os nossos corpos. Com um detalhe: essa malha é totalmente imperceptível e inofensiva em condições normais, mas é muito maior do que tudo o que está "acima" dela. Caso contrário, não teria o peso que tem. Os cientistas costumam descrevê-la como um abismo imenso, escavado sob cada ponto do espaço. E até eles ficam assustados com essa imagem.
"Quem garante que, neste exato momento, o Universo não está prestes a ser tragado para dentro desse vazio?", afirma o astrônomo americano Sten Odenwald, com a preocupação típica de quem sabe demais. "E se algum acidente nos laboratórios nos atirar para dentro do nada?" Odenwald é autor de um dos muitos livros recentes, todos escritos por cientistas perplexos com essa nova e contraditória cara da realidade. Logo na abertura de seu livro (Patterns in the Void, ou "Padrões no Vácuo", inédito no Brasil), ele compara a descoberta do nada às "constelações negras" dos incas – que, em vez de traçar desenhos no céu ligando as estrelas, admiravam e temiam as manchas escuras do céu, formadas pelas áreas sem estrelas. Estaríamos agora numa situação parecida: passamos séculos estudando pontos de luz, para agora descobrir que eles são meras exceções num cosmo repleto de sombras.
Mas como é que os cientistas encontraram esse nada todo? Ele funciona mais ou menos como o sistema financeiro. Suponha que você é empresário, mas não tem capital. Então faz um empréstimo, aplica o dinheiro e quita a dívida com a renda do negócio. Resultado: você, que não tinha nada, não só devolve o que pegou como passa a ter alguma coisa. Essa também é a lógica que rege o comércio entre o espaço comum e o nada que permeia tudo: em certas ocasiões, o espaço pode emprestar um pouco de matéria do vazio. Por exemplo, quando se aciona um acelerador de partículas, um equipamento que provoca uma trombada gigante entre minúsculos componentes do átomo, surge da batida outra subpartícula que não estava lá antes. É que a enorme energia liberada puxa do nada (por empréstimo) um pedacinho de matéria que estava escondido lá. A diferença entre essa economia e a dos investidores é que nela não há chance de calote.